Meu Santo Antônio

Hoje eu vou lhe contar uma história de fé, amizade e várias descobertas importantes.

Feiticeira, bruxa, benzedeira e devota. Minha avó era mesmo uma mulher de muitas facetas. Uma delas era sua devoção por Santo Antônio. Ela sabia a história de muitos santos, gostava de ler e contar essas fascinantes vidas de homens que, com sua fé, enfrentaram o mundo; mas Santo Antônio era realmente o seu predileto.

Você conhece a história de Santo Antônio?

Um rapaz de fé incondicional que admirava São Francisco. Fez da bondade seu caminho na vida. Seu voto à pobreza o deixou mais leve para andar pelo mundo pregando a palavra de Deus. Falava com a natureza – flores, árvores, animais, peixes ou aves. Seu jeito simples, bom e gentil com a vida fez com que sua história ficasse conhecida rapidamente e é admirado em todo o mundo, com inúmeros fiéis seguidores.

A ele é conferido uma série de milagres. Encontra coisas perdidas, traz a paz na desarmonia, cura e atende os desesperados.

A veracidade dos fatos não vem ao caso, afinal, em seus braços descansa o Menino Jesus. Se assim lhe foi confiado uma criança de tanto valor, poderia confiar também meus sonhos, meus desejos e todas as minhas vontades. E quando tivesse desasossegada, encontraria em sua imagem a paz dos lírios que o acompanham. Assim era a imagem de Santo Antônio que a vovó cuidava com todo carinho: calmo, com roupas comuns, um menino no colo e lírios à sua volta.

A vovó tinha o hábito de colocar pedidos embaixo de sua imagem. Houve vezes em que eram tantos os pedidos que eu temia que a imagem caísse, mas isso nunca aconteceu. Quer dizer, uma vez o irmão da minha avó, no descuido de uma conversa inflamada, bateu a mão na imagem e ela caiu. Passamos a tarde catando migalhas de gesso para recolocar no Santo Antônio. Com habilidade que eu nem sabia que tinha, ainda consegui passar uma tinta e disfarçar o acidente.

Minha avó se dizia tão amiga dele que os dois conversavam nas madrugadas em que ela perdia o sono. Numa manhã vi a vovó bastante abatida e perguntei o que havia acontecido, ela sentou e começou a me contar – apavorada – o que havia acontecido com ela e Santo Antônio naquela noite. Existe uma crença que diz para, quando você quer uma coisa urgente, pegue uma imagem de Santo Antônio, coloque de ponta cabeça num canto do armário e diga a ele que só vai virá-lo quando o seu pedido for realizado. Minha avó, num desespero de causa, colocou a sua imagem de ponta-cabeça, no canto do armário, e prometeu voltar-lhe ao lugar assim que seu pedido fosse alcançado.

Depois desse ato de fé, ela foi dormir. Durante a madrugada ela acordou com Santo Antônio sentado aos pés de sua cama. Ele estava muito chateado com ela por tê-lo colocado de castigo. A vovó me contou que ouviu Santo Antônio dizer a ela: – você acha justo me deixar de ponta-cabeça? E se esse seu pedido não for o melhor para a situação? Quem te disse que seus planos de vida são melhores que os planos que Deus traça? Minha avó, assustada, levantou-se, colocou a imagem do santo em seu lugar e passou a noite rezando e se desculpando com ele.

Era divertido ver a minha avó contar que levou uma baita bronca do Santo, mas mais engraçado foi a seriedade com que ela contava a história.
Minha avó me confessou que nunca havia parado pra pensar que seus planos de felicidade para aqueles que amava poderiam não ser os melhores. Deus, sim, estava bem mais habituado em escrever belíssimas histórias felizes.

Minha avó e eu conversamos muito e ela me fez entender que tínhamos de tomar muito cuidado com aquilo que pedíamos, nem sempre o que queremos é a melhor solução. Ela me dizia: – Reze, mas peça para que o melhor aconteça, e não ouse dizer o que é melhor. Definitivamente você não sabe, acredite!

Até hoje não sei se realmente aconteceu essa história de Santo Antônio com a minha avó, mas passei a acreditar que os planos de Deus poderiam ser melhores que os planos que eu fazia para mim. Eu acreditei na amizade e na força da fé da minha avó. Assim, também confio a Santo Antônio as minhas angústias. A imagem que era dela habita em minha casa e eu a olho sempre, muito mais com o carinho que se olha a um amigo do que com a veneração que coloca a uma imagem. E ele está aqui, comigo, sem nunca precisar virá-la de ponta-cabeça.