Tanto se fala da importância dos amigos e de tantas formas eles são representados… sabe por que? Porque se olharmos ao nosso redor, pra frente, num exercício de imaginação, ou para trás revendo o passado, a gente se encontra com rostos conhecidos, com mãos fortes que nos apóiam e ombros preparados para segurar nossos choros e ai nos sentimos em casa, como um livro já lido, uma oração já atendida. Amigos, rostos conhecidos da nossa história.
Era mais um sábado, mais um final de semana que começava na casa da vovó e nada anunciava que ele seria mais uma importante descoberta para a minha vida. Naquela tarde de sábado veio visitar a minha avó uma amiga muito querida por ela. Era uma mulher estranha, com nome estranho e jeito estranho, mas a vovó a achava bastante natural. Baixinha, meio fora de forma, cabelos curtos e negros, ela sempre usava batom vermelho e óculos de sol grande, com armação de tartaruga. Quando ela chegava na casa da vovó, sabia que o papo não deveria ser interrompido, o máximo que eu poderia fazer era servir um café para as duas amigas. A vovó também se arrumava para recebê-la. Lá estava a minha avó, vestido bem passado, batom vermelho, laquê no cabelo e um bom perfume.
O papo das duas se estendeu por toda a tarde. Além do café e do bolo já preparado, a vovó me pediu para trazer um licor. As duas conversavam e riam, ora falavam baixinho como quem conta um segredo, ora falavam alto, esquecendo-se do bom comportamento que se espera de duas senhoras. E eu estava lá, observando aquela tarde de sábado cheia de informações…
Bastou a amiga da minha avó sair de casa para eu tentar entender todas as dúvidas que povoavam a minha cabeça.
– Vovó, onde você conheceu a D. Biggina?
– Foi há muito, muito tempo. Na época em que nos conhecemos nós éramos jovenzinhas. Continuamos amigas no tempo em que eu era mais mulher que mãe, depois mais mãe que avó, e assim por diante, nós sempre estávamos juntas um passo antes da nossa vida se transformar.
– Eu percebo em você um entusiasmo totalmente diferente quando conversa com ela. Você se prepara para esse encontro. Você se arruma, escolhe a roupa, o sapato, não esquece o batom, procura um brinco novo, prepara um bolo gostoso e até toma um licor!…Por que?
– Sabe minha querida, eu nunca pensei nisso, aliás, nem havia percebido esses detalhes, mas eu acho fácil explicar o que acontece. É a força da amizade. Amigo de tantos anos transforma-se na nossa mais pura referência. Ela viveu comigo grandes segredos da minha vida. Viu eu dar uma olhadela para um rapaz e não ser correspondida – que mico! Viu eu me arrumar toda e tomar um bolo do namorado – um horror! Viu aquela roupa que não deu certo e viu também aquela que deu super certo e todos me olharam no baile do clube. Amiga acompanha e arquiteta junto pequenas vinganças que fazemos durante a vida, vive os momentos que deram certo e também aqueles que deram errado. Sabe quando a gente merece um troco da vida e assim mesmo empresta o ombro pra gente chorar. E quando o tempo passa e nos encontramos, somos capazes de nos vermos jovens, sentada à sala, contando os mais íntimos segredos. O batom e a roupa arrumada ajuda a rejuvenescer a fachada e tirar o amarelo da tarde que passamos juntas. Enfim, minha querida, amigo é o único capaz de guardar a nossa juventude e nos distrair da idade que chega implacável e dos problemas que temos de enfrentar.
– Bem… acabo de perceber que é imprescindível guardar os amigos de infância…
– Guardar os amigos é sempre importante, sejam eles de que fase forem da sua vida, eles sempre são sua melhor referência…
E continuamos conversando sobre amizade, a vovó me contava passagens de sua vida de uma forma tão leve, tão alegre!… Seus olhos guardavam um ‘quê’ de peraltice, às vezes aparecia em seu rosto um sorriso maroto, e a cada história, a cada lembrança, minha avó ficava mais jovem e mais cheia de energia. Enquanto eu enxergava a amizade por outro prisma, percebia sua importância não na vida, mas como vida. A vovó levantou-se para preparar o jantar, enquanto eu corri para o telefone e fiquei horas com uma antiga amiga. Colocamos a conversa em dia e eu me senti mais forte naquela tarde de sábado.
Amizade? Sempre vale a pena, sempre!