Domingo de manhã e… nada pra fazer. Tomei um banho, lavei o cabelo e me perdi em meus pensamentos. Olhava para o espelho, enxergava cada detalhe do meu rosto e nos meus vinte e poucos anos de idade, as poucas marcas de expressão já me incomodavam porque sentia em cada uma delas, o tempo passar.
A vovó observava a cena da porta do quarto, até que me interrompeu, oferecendo-me um café. Aceitei de imediato, mais que isso, precisava conversar. Pedi para que ela se sentasse ao meu lado.
– Vovó, você foi uma mulher tão linda… como é envelhecer?
Ela riu, pediu um tempo para pegar um café para ela também, acendeu um cigarro e começou a me contar.
– Uma noite, seu avô e eu fomos ao cinema. Naquela época ir ao cinema tinha o glamour de um grande acontecimento, o hall das salas de cinema era grande, bem decorado, em sua maioria com paredes espelhadas. Eu me arrumei, penteei meus cabelos, passei batom… seu avô estava de terno, muito bem alinhado.
Na saída da sala, distraída, comentava sobre a história que acabara de ver, andando e falando, esbarrei em uma senhora bem velhinha. Quando fui me desculpar com a tal velhinha… percebi que estava de frente para a minha imagem refletida no espelho. Eu havia esbarrado em mim mesma!!!! Levei um susto que você nem imagina! Fiquei emudecida. Voltamos para casa sem que eu falasse nada. Na sala, conhecida e confortável do meu lar, o seu avô me perguntou o que havia acontecido e eu, com vergonha, contei a ele. Gostaria muito de entender em que momento havia me tornado uma velhinha, sem que eu percebesse.
Ele achou muita graça em me ver acanhada e assustada ao mesmo tempo, mas não percebeu que eu estava chocada porque havia me enxergado velha.
Tentei entender minha reação. É estranho, porque todos os dias nos olhamos no espelho, o problema é que cada vez que nos olhamos, vemos apenas uma parte de nós. O cabelo, se estamos nos penteando, os olhos, casa estejamos nos maquiando, a boca, se estivermos colocando um batom, mas não vemos o conjunto e o que envelhece é o todo. O coração que apanha, a mão que bate, o olho que chora, a testa que sua, a boca que grita e também sussurra… A cada dia, seu corpo tem um dia a mais de uso e tudo o que você faz e pensa fica impresso em você.
Eu, de repente, tive a oportunidade de me ver por inteiro e enxerguei uma velha…
– Vovó, você teve vontade de fazer uma plástica?
– Pode parecer estranho mas acho que se fizesse uma plástica, não tiraria todas as rugas, não, só as mais fortes, dava uma costuradinha aqui, outra ali, só para não cair tudo, mas muitas das rugas eu deixaria no meu rosto.
– Pra que?
– Cada ruga que aparece no rosto tem a ver com uma situação vivida. A ruga forma porque se ri e também porque se chora. Cada ruga é, na verdade, um conforto. Ela significa que vencemos um obstáculo. Ela nos lembra que ultrapassamos: problemas, tempo, decepções, preocupações. Temos de respeitá-las, assim como respeitamos a nossa história.
Lembre-se sempre: um sapato novo é lindo, mas não é confortável. Um sofá novo é uma delícia, mas demora um pouco até que você encontre seu canto. Um carro novo é ótimo, mas precisa de um tempo para ser amaciado… Conforto você só encontra nas rugas e no tempo, porque eles significam experiência e histórias vividas.
Minha avó se levantou e foi para a cozinha. Continuei a olhar para o espelho, procurando me ver inteira, mas só conseguia ver os detalhes. Na época eu não tinha nem ruga nem tempo suficiente para entender o que a minha avó dizia.
Continuo me olhando em detalhes, enxergo as rugas, os cabelos brancos e lembro dessa manhã de domingo, lembro da minha história e de todas as histórias que já vivi. Pinto o cabelo e acho graça. Fico esperando o momento certo de fazer uma plástica, mas para tirar algumas rugas, esticar um pouquinho e manter outras, porque quero estar confortável…