Navio Viking

 

De repente você se torna adulto. E quando é que acontece essa passagem? Quando todos os seus compromissos diários parecem ser impossíveis de serem cumpridos. Lá estava eu, amaldiçoando a vida porque ela não me permitia resolver todos os meus problemas. Faltava mão para fazer tudo. Faltava tempo para a solução das coisas e, principalmente, faltava em mim o amadurecimento necessário para viver as coisas de adulto. Não demorou para a vovó entrar em cena e me colocar para pensar.

Foi numa noite qualquer. Nessa época eu já morava com ela, trabalhava durante o dia e fazia a faculdade à noite. A nossa conversa começou quando cheguei da faculdade. Ela havia me preparado um chocolate quente, ela levou o copo até mim e começou a me contar a história das embarcações. Falou sobre a canoa dos índios, tão rasa e estreita que não os permitia longas viagens. Contou, com o entusiasmo que lhe era marca registrada, a aventura de enfrentar o desconhecido, descrevia o mar como uma imensidão inexplorada, mutante, inconstante e indomável. Ela, enfim, chegou na história dos navios Vikings. Descrevia aquelas construções como obra de extra-terrestres, experientes construtores. Realmente os navios eram complicadas obras de engenharia, feitas em uma época com poucos recursos. Brilhante. Mas o mais interessante estava por acontecer. Ela me contou que, a princípio, os navios eram grandes espaços abertos, sem compartimentos. Os vikings, então, navegavam por terras distantes, exploravam todas as possibilidades de cada canto que visitavam e traziam muitas especiarias: madeira, sal, pimenta, frutas, folhas… enchiam o navio e voltavam carregados para suas casas. Quando chegavam em porto seguro, percebiam que haviam perdido 80% da suas explorações. Durante a viagem, com a batida do mar, os produtos se misturavam – sal com folhas, com madeira, com pimenta… O embaraço das mercadorias não os permitia o aproveitamento da viagem. Até que um navegador decidiu criar compotas no porão de seu navio. Ele colocava em cada espaço, um determinado produto. Sua viagem teve 100% de aproveitamento e todos os outros vikings copiaram essa idéia.

Achei super interessante a história, mas não entendia onde ela queria chegar com isso, até ela me explicar:

– Minha querida, a cabeça da gente é exatamente como um navio viking, forte, disposta a enfrentar grandes viagens rumo ao desconhecido e absorver todas as experiências vividas, mas se você não usar compotas em sua cabeça, vai perder boa parte dessa incrível viagem que é a vida. Faça  repartiões por assuntos e problemas. Numa compota estará a sua faculdade, nela você tem de guardar o máximo de ensinamento possível, pois não sabe o que usará na sua vida profissional. Ponha em outro espaço sua relação amorosa, seu namoro. Em outro canto, guarde suas amizades. Ponha um espaço especial para sua família e assim por diante. Depois de tudo separadinho, ai sim, você poderá abrir cada espaço, com calma e atenção, e você verá as coisas com mais clareza. As compotas compartimentam os problemas e as alegrias, e nos faz enxergar cada situação como deve ser: única. Eu tenho certeza de que sua vida, e a solução de seus problemas, ficarão bem mais fáceis de serem entendidos.

– Mas vó, disse eu meio confusa com a comparação, não é fácil colocar em prática essa história?!…

Ela riu, levantou-se como quem estava encerrando a conversa e disse: – E quem é que te disse que a vida é fácil?